Data de publicação: 28/02/2020

O laboratorio móvil da SSVP. Um projeto de caridade duplamente inovador

Conselho Geral Internacional

O laboratorio móvil – Labmovil – da Sociedade de São Vicente de Paulo – Conferencias de Ghazir e Dora 

Em 2006, o Conselho Nacional do Líbano lançou a ideia de um serviço médico gratuito para as pessoas que viviam isoladas em aldeias por causa da guerra de julho de 2006. Os bombardeios aéreos destruíram as rodovias que ligam ao sul do país, deixando ilhadas populações.

A primeira expedição médica teve lugar em 22 outubro de 2006. Éramos uma equipe de cinco doutores, dois enfermeiros e dois assistentes, todos voluntários. Foram quatro horas dirigindo por 115 km para chegar a aldeia fronteiriça de Debel, no sul do Líbano.

Durante este dia, oferecemos exames médicos e a medicação de forma gratuita aos habitantes do povoado e compartilhamos suas preocupações e ansiedades. Nos demos conta da utilidade da pequena equipe médica que tínhamos. Com apenas um estetoscópio e um medidor de pressão arterial (esfigmomanómetro) podíamos diagnosticar e alertar as pessoas sobre as enfermidades das quais no eram conscientes, que não teriam tratado até então e que poderiam ter graves consequências em suas vidas. No horário do almoço, compartilhamos uma comida simples com eles: torrada “Malling” (uma mescla de carne enlatada). Segundo um colega, fazia mais de 40 anos que não a comia e que a ele parecia a comida mais deliciosa da sua vida.

Se pode dizer que nossa missão foi um grande êxito com a população local e a equipe estava tão convencida do serviço prestados e que todos nos sentimos preparados para fazer uma nova expedição a outro povoado da fronteira sul.

De fato, nossa segunda missão teve lugar um mês depois com o mesmo impacto e a mesma impressão da equipe. Nossa presença entre estas pessoas nos revelou sua grande necessidade de atenção médica, a tal ponto que decidimos fazer missões a outros povoados, desta vez, ao norte e ao leste do país, na planície de Bekaa.

O exame de enfermidades crónicas, que costumam evolucionar a “baixos níveis de ruídos”, permitiram prevenir acidentes mais graves que provocam uma incapacidade para exercer um trabalho e a perda de recursos econômicos em casa. O propósito das nossas missões médicas seria o de tratar a estas pessoas antes de que cheguem a este estado. A melhora da sua saúde mediante a prevenção e o tratamento médico poderia reduzir uma das possíveis causas da pobreza.

Foi então, quando buscamos a forma de contar com a ajuda de uma máquina de laboratório para fazer análises de sangue: glicemia, analises de lipídios, creatinina. Temos visto o quão útil são estas provas no diagnóstico de enfermidades crônicas. As pessoas nos esperavam pelas manhãs com o estomago vazio. Quando chegávamos, sempre havia uma multidão de pessoas que estava ali e queria fazer uma analises de sangue. O maior desafio para nós foi o de ser capaz de desenvolver os resultados em poucas horas, especialmente antes de terminar a jornada. Em caso de que as análises de sangue saíssem alteradas, a pessoa era direcionada diretamente ao médico especialista.

Esta necessidade de análises de sangue gratuita também se viu nas pessoas nas quais ajudamos em nossas conferencias, seja da Conferência de São Marcos, em Dora, ou a de São José, em Gjazir, no povoado das montanas libanesas da região de de Keserwan no Monte do Líbano. 

Esta demanda do nosso serviço pode se explicar pelo feito de que 44% da população libanesa não tem cobertura médica. Segundo um estudo de Administração Central de Estadística sobre as condições de vida das famílias, a população gasta do seu próprio bolso cerca de 1.150 milhões de dólares cada ano para comprar medicação e realizar análises de sangue, o que representa 46% dos gastos do sistema de saúde. Para família de características modestas, isso representa até 13% do seu orçamento. Por outro lado, quase um terço da população libanesa, ou seja, 1,5 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 4 dólares ao dia, e não podem satisfazer suas necessidades básicas.

Esta demanda da população local que dispõem de análises de sangue gratuitas e o impacto destas análises em nossas diversas missões, especialmente na prevenção de enfermidades e suas complicações, nos levou a lançar o projeto Labmóvil em novembro de 2018, durante um almoço beneficente organizado pela Conferência de São Marcos.

O objetivo do projeto é lutar contra os chamados “desertos médicos”. Estes desertos devem entender-se obviamente desde o ponto de vista geográfico, mas também em termos de tempo.

O projeto consistia em comprar uma van e equipá-la com uma bancada, uma fonte de luz, uma poltrona para a coleta de sangue, material de laboratório e uma fonte de eletricidade que garante a autonomia da equipe e permite trabalhar em zonas remotas.

O laboratório móvel permite que as pessoas obtenham seus resultados quase que imediatamente para que o médico possa examiná-los no momento. Com esse serviço, podemos coletar amostras em casas, indo a residência de pessoas acamadas ou que não podem se mover. Além disso, é fácil de montá-la e movê-la, tem também kits para coletar amostras de sangue como em qualquer laboratório tradicional, mas de uma maneira muito mais simples de usar.

O projeto tem um duplo objetivo: Praticar a medicina preventiva para as doenças perigosas ou silenciosas (Diabetes, Dislipidemia, Anemia,…) e diagnosticar rapidamente as infecções comuns, mas de gravidade, que podem ser acometidas a uma população pobre que vive em aldeias e bairro pobres.

Seis meses depois, inauguramos oficialmente a Labmóvil em um jantar beneficente organizado em julho de 2019 pela Conferencia de Ghazir.

Trata-se de um projeto que me parece duplamente inovador. Por um lado, uma laboratório de análises médicas que pode se locomover a qualquer lugar do pais, onde exista necessidade. Por outro, um serviço especializado de interesse para a saúde pública e cujo o financiamento foi fruto da colaboração a dois níveis: local e internacional.

Em relação ao serviço médico que presta a Labmóvil, trata-se de um trabalho altamente especializado, que requer uma certo conhecimento e know-how, que exige a presença em equipe de especialistas (médicos e técnicos de laboratório), assim como, de uma equipe que cumpra com os objetivos de nossa missão.

Temos criado uma base de dados informatizada para introduzir os dados demográficos dos pacientes e apresentar os resultados dos exames. Medimos sistematicamente a pressão sanguínea de cada paciente. Esta base de dados poderá ser utilizada mais adiante para um estudo epidemiológico de saúde pública em escala nacional. Para cada missão, escolhemos uma ou dos enfermidades a serem examinadas: Diabetes, Dislipidemia, Hepatites, Próstata, Anemia,…

Este serviço médico demonstrou ser útil em todas as missões. Isto ao descobrir um caso de Hipertensão, Diabetes, ou Dislipidemia entre as quarenta pessoas que podemos examinar cada vez, inclusive, controlar o estado de uma Diabetes conhecida mediante uma prova, alertar a um homem de cinquenta anos sobre uma cifra elevada de PSA, examinar um jovem para detectar Hepatites B (quando há uma vacina contra essa enfermidade), descobrir a anemia em uma mulher acamada que foi levada ao Labmóvil (porque o pároco anunciou na missa de domingo que uma equipe médica da Sociedade de São Vicente de Paulo viria ao povoado na próxima semana e convidou as pessoas para que se inscrevessem nesta campanha médica).

Nós estamos nos convertendo na atração do povoado ao qual nos deslocamos. Todos trabalham duro para nos receber. Colocam cartazes na entrada do povoado, pedem agendamentos, organizam a nossa acolhida; e quando chegamos depois de uma viagem longa, estão todos ali, no lugar programado, para nos dar as boas-vindas e oferecer-nos um café antes de começar o nosso trabalho. 

Muitas das vezes, nos reunimos no salão paroquial em frente à igreja, na sala da Conferência local de São Vicente de Paulo, ou no escritório da Cruz Vermelha. Estacionamos o Labmóvil na entrada da sala e começamos a coletar amostras, a fazer avaliações e a examinar pacientes. Passamos um dia inteiro com eles e logo comemos juntos. Este é o momento em que podemos relaxar, antes de voltar a casa com o coração cheio de lindas recordações, alegria e, sobretudo, com a esperança de voltar a nos ver.

E, cada vez, ao final do dia, se repetem as mesmas perguntas: Quando será a próxima vez? Onde vai ser? Estas questões são só um indício de uma grande satisfação de todos os membros da equipe médica e do seu entusiasmo, apesar de deixarem suas famílias, para realizarem uma nova expedição com o fim de servir aos outros que estão necessidade. O membros da equipe são todos voluntários, mas não necessariamente vicentinos. Oferecem um dia do seu trabalho, tomando o seu tempo de descanso semanal, porque creem em nossa missão e experimentaram um sentido de serviço, longe das corrente políticas e dos interesses pessoais.

Enquanto o financiamento da compra e o estruturação do Labmóvil, este projeto foi fruto, por sua vez, da solidariedade entre duas Conferências no mesmo pais. (San Marcos – Dora e San José – Ghazir). Uma estreita colaboração, fortes amizades, uma proposta comum de recursos entre o “medico” e o “financeiro” de cada uma das Conferencias que colocaram todos os meios para realizar esse projeto em um espaço de tempo muito curto. 

Diante da aprovação do projeto por parte do Conselho Nacional do Líbano, preparamos um vídeo publicitário de 3 minutos apresentado o mesmo e a sua viabilidade, que exibimos durante nosso Jantar de Caridade em novembro de 2018. Vimos o entusiasmo  das pessoas que participaram do jantar e observamos o interesse de tanta gente por esse projeto. Isso nos impulsionou a ir mais longe e apresentar este vídeo as empresas, negócios, embaixadas, para financiar a compra e estruturação de uma van. Inclusive, saímos várias vezes na televisão e no rádio, participamos em programas de “Talk-Show” para apresentar nosso projeto, mostrando fotos e vídeos para apoiar nossa causa. Depois de cinco meses, compramos a van.

En relação ao financiamento da equipe de laboratório, recorremos ao Conselho Nacional da França. Obrigado pela fraternidade entre a conferência de São Marcos – Dora e ao Conselho da Zona de Loira, na França, que por sua vez, apresentou o projeto ao Conselho Geral Internacional da Sociedade de São Vicente de Paulo. Este convite a nível internacional em favor do projeto local entre duas conferencias libanesas mostra que nossa ação com os mais pobres de nossos irmãos podem sensibilizar a pessoas de todo o mundo, sempre que estejam convencidos da nossa missão e que a mensagem do amor e a esperança da Sociedade de São Vicente de Paulo seja conhecida e difundida.

Esta solidariedade que transcende as fronteiras geográficas nos recorda que nossa Sociedade é uma rede internacional de caridade segundo o modelo que Frederico Ozanam quis realizar há 190 anos.

O Labmovil é um verdadeiro testemunho da caridade vicentina em três escalas diferentes:

Em primeiro lugar, é uma caridade vicentina a nível local, entre membros de uma mesma conferencia e as pessoas que servimos. É um fruto de uma caridade vivida entre os mais necessidades, tanto de responder as suas necessidades, quanto de dar a elas uma certa justiça social.

Também é um testemunho da caridade vicentina a nível nacional entre os membros de duas Conferências em um mesmo pais e os membros voluntários da equipe médica.

O Labmóvil é um modelo concreto de uma Caridade inventiva que não conhece limites. É um serviço certamente caro e queremos oferecer gratuitamente, preservando a qualidade dos resultados. Este é o desafio que estamos assumindo.

A sustentabilidade deste projeto se deve a nossa perseverança e a generosidade daqueles que doam. Meu desejo seria criar várias equipes de especialistas que se unam para levar missões e a servir ao maior número de pessoas.

Dr. Elie KHOURY           

Membro da Conferência São Marcos – Dora. Líbano